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Brasil profundo incomoda, mas existe

A constituição de estado-nação não é muito antiga, quando consideramos a história da humanidade. Esse tipo de formação de países possui grande importância a partir do século 19, quando despontam também grandes pensadores sobre a sociedade, como Comte, Durkheim, Marx e Weber. Eles iniciaram e consolidaram as ciências sociais, a sociologia, exatamente tentando entender as mudanças nas sociedades. Essa ideia de unidade territorial a partir de uma organização geopolítica não se observa sempre. E é nesse desequilíbrio (e desigualdade) do nosso país que surge a percepção de Brasil profundo, para dar conta das regiões distantes dos grandes centros, com realidades diferentes e até desconhecidas de muitos brasileiros.

Quem questiona essa noção, utiliza-se da perspectiva de que centro é algo relativo e passível de subjetividade, além de que a periferia faz parte igualmente do país – não somente de modo mais profundo, mas no raso mesmo. Evidentemente, o que é central para o morador de Guajará-Mirim – cidade no interior de Rondônia que faz fronteira com a boliviana Guayaramerín – pode possuir distinções para quem reside nas capitais de Rio de Janeiro e São Paulo. Porém, negar a existência do Brasil profundo é deixar de enfatizar que as pessoas, por exemplo, de Benjamin Constant, no interior do Amazonas, não fazem parte do que é central para o brasileiro, em aspectos culturais, econômicos, históricos, políticos e sociais, pois a referência é um país de enormes dimensões. Em nosso estado-nação, o centro econômico e político está bem definido, não existe dúvida a ponto de colocar o Amapá como não periférico, em termos nacionais.

Algumas regiões possuem tão pouca evidência para uma maior parte do país que os brasileiros sequer conhecem sua cultura e história. Aliás, muitos tampouco sabem apontar onde ficam determinados estados. Amapá, Tocantins e o pequeno (em extensão territorial) Sergipe são alguns exemplos. Para Rondônia e Roraima, é difícil até que outros habitantes do Brasil saibam a diferença entre eles. O Acre, dizem alguns, nem existe. Esse desconhecimento completo, por parte dos brasileiros, sobre esses e muitos outros estados advém da pouca interferência geopolítica que eles possuem para os centros econômicos do país.

A periferia desse Brasil profundo é mais do que geográfica, mas cultural, econômica, histórica, política e social. A distância não é fator preponderante, tanto que a mídia e o próprio presidente deste país deram mais atenção às eleições presidenciais dos EUA do que às ocorrências com os nossos conterrâneos da região Norte. O apagamento pelo qual passa o Amapá não é apenas de abastecimento de energia, pois reflete como muitas localidades estão relegadas ao silenciamento por quem torna os fatos socialmente relevantes. É patente a pouca repercussão nacional desse grave caso, em detrimento de um acontecimento político rotineiro e programado no norte do nosso continente. Todos imaginamos que o descaso que estão vivendo os amapaenses não se repetiria se as vítimas fossem os moradores da capital paulista. Os habitantes dos Jardins conseguiriam um gerador para o mesmo dia. Esse Brasil profundo existe, ainda que alguns não gostem dessa ideia.

 

Allysson Martins é professor de Jornalismo e coordenador do MíDI na Universidade Federal de Rondônia (UNIR), nascido, criado e crescido no Nordeste, mas residente no Norte há meia década.

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