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Brasil segue para frente, em direção ao abismo

O país ultrapassou os 50 mil mortos pela pandemia da COVID-19 no período em que se comemorava os 50 anos da conquista do tricampeonato mundial de futebol masculino. Em todas as vitórias, Pelé estava em campo, mas foi fora dos gramados que este título se destacou. A taça veio durante o governo de Emílio Garrastazu Médici, que já tinha alterado o técnico e “convocado” Dadá Maravilha. A seleção brasileira se tornar a única a vencer três vezes o torneio serviu para desviar o foco das atrocidades que aconteciam no país. O governo entendia isso e promoveu um nacionalismo patriótico ao ponto de frases e ideais permanecerem até hoje em nossa memória, mesmo cinco décadas depois.

Todos conhecem o slogan “Brasil: ame-o ou deixe-o!”, ressuscitado pelo SBT, e o refrão “Todos juntos vamos. Pra frente Brasil. Salve a seleção!”, recordado por Regina Duarte. A atriz cantou e riu sob o cadáver das vítimas da ditadura militar brasileira, enquanto pedia leveza em plena CNN. Ela pretende esquecer o passado ao passo que minimiza as atrocidades perpetradas pelos agentes do estado. Além de não negar os crimes contra os direitos humanos, a ex-atriz do Grupo Globo os diminuiu, pois eles sempre aconteceram. O presidente Jair Bolsonaro, quando não nega essas ações, ao menos tenta justificá-las. Embora já tenha homenageado Ustra e recebido Curió, dois dos mais famosos assassinos e torturadores da ditadura, o Messias parece reconhecer que desaparecimento, morte e tortura não podem ser menosprezados, ao menos não sem um motivo, mesmo que esta razão não seja baseada na realidade dos fatos.

A “namoradinha do Brasil”, alcunha que ganhou quando Médici era reconhecido como o presidente mais sanguinário dos anos de chumbo, defendeu que assassinato e tortura são comuns na história de toda a humanidade. Como sempre acontece e, por isso, não se deve protestar, a secretária especial da cultura parece dar aval para que eles sejam praticados à vontade. O escárnio da artista foi tão extremo que os elogios de Villas Bôas pareceram até ironia. Porém, como general do exército, ativo desde a ditadura militar, não é de se estranhar o seu posicionamento.

Fiquei encantado com a Regina pela demonstração de humanismo, grandeza, perspicácia, inteligência, humildade, segurança, doçura e autoconfiança que nos transmitiu”

O golpe civil-militar de 1964 trouxe, já em seu primeiro ano, cassações, prisões, exílios, torturas, desaparecimentos, assassinatos e demais violações contra os direitos humanos. O amadurecimento deste processo, que se desenrolava desde a deposição do presidente João Goulart, veio em 1968. O AI-5 tornou a censura corriqueira e permitiu que o Congresso Nacional entrasse em recesso, que interventores assumissem estados e municípios e que direitos civis e políticos fossem suspensos. Essas ações ficaram como representativas das mais de duas décadas da ditadura militar (1964-1985). Um período que Bolsonaro e seus asseclas continuam a celebrar.

 

Allysson Martins é jornalista, professor e coordenador do MíDI – Grupo de Pesquisa em Mídias Digitais e Internet da Universidade Federal de Rondônia (UNIR).

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