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DIREITO À INFORMAÇÃO: técnico do Palmeiras ataca jornalista e diz como imprensa deve trabalhar

A Liberdade de Imprensa é celebrada no Brasil em 7 de junho para enaltecer a importância do jornalismo em sociedades democráticas e para denunciar os problemas enfrentados pelos seus profissionais, que não são poucos. A própria definição do dia ressalta essas dificuldades vivenciadas, pois foi proposta quando mais de 3 mil jornalistas assinaram um manifesto contra a censura sofrida, em 1977, em plena ditadura militar. É por isso que ele não coincide com a data estabelecida pela ONU (Organização das Nações Unidas), em 3 de maio. Esse momento é um ensejo para se discutir e combater a violência contra esses profissionais, desde agressão física até assédios judiciais, reforçando a necessidade da liberdade do jornalismo – uma instituição fundamental para a democracia – e o direito do cidadão de ser bem informado.

Exatamente dez dias antes dessa data, a atitude do treinador de um dos principais clubes de futebol masculino do país nos lembra que há muito ainda a ser feito. O português Abel Ferreira, técnico do time da Sociedade Esportiva Palmeiras, arrancou o celular da mão de um jornalista que se encontrava na “zona mista”. O que ele não esperava era ser filmado por outro profissional, Henrique André, da Rádio Itatiaia, confrontando e fazendo o treinador devolver o aparelho e a ferramenta de trabalho ao colega de profissão. Mesmo depois de agredir um jornalista e tentar cercear o direito à informação da população, na coletiva de imprensa, ele não parecia entender que errou, quando enfatizou mais de uma vez: “peço desculpas, SE me excedi”.

A confusão aconteceu em Minas Gerais, depois do jogo contra o Clube Atlético Mineiro, em 28 de maio de 2023. O europeu reclamava com a arbitragem no espaço público, quando o jornalista Pedro Spinelli, da Globo Minas, começou a registrar o acontecimento. O repórter fazia o seu trabalho quando foi agredido por Abel Ferreira, que não havia gostado de sua presença no espaço, ainda que ele seja exatamente destinado para o contato de profissionais de comunicação com os de futebol. O português justificou a violência logo após o acontecido ao dizer que “há coisas que a imprensa não tem que saber”, embora o espaço compartilhado sirva propriamente para isso, não havendo a “invasão de privacidade” que o técnico disse sentir. Essa mentalidade fere gravemente o direito à liberdade de imprensa e dos cidadãos se informarem.

É importante pontuar que, como instituição primordial para os regimes democráticos, a imprensa está apta a ter ciência e divulgar todo fato de interesse público. Nos cursos de Jornalismo do país, uma frase bastante recorrente encarna essa necessidade: “Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Todo o resto é publicidade”. O jornalista Juca Kfouri lembrou que “são exatamente os fatos que alguém deseja que a imprensa não saiba o que mais o bom jornalismo tem obrigação de procurar saber e revelar à população”. Essa importância faz com que a liberdade de imprensa conste até na Declaração Universal dos Direitos Humanos, portanto, como disse Marcondes Brito: “a discussão entre a comissão técnica do Palmeiras e os membros da arbitragem se deu em lugar público e ninguém poderia impedir a gravação das imagens”, menos ainda com agressão e tomada do equipamento de trabalho.

O jornalista Mauro Cezar Pereira comentou que a atitude de Abel Ferreira representa de alguma forma muitas pessoas, que não sabem qual é o papel e como atuam os jornalistas, mas “acham que têm condições de falar” sobre ela, não cabendo ainda ao técnico “dizer o que a imprensa deve ou não noticiar (…) isso é um total desconhecimento do que é o trabalho da imprensa”. Marcondes Brito identifica esse mesmo problema do treinador, ao dizer que ele tentou dar aula aos jornalistas sobre sua própria profissão, depois de praticar uma “covarde agressão”. Ou como disse o jornalista e pesquisador Cesar Valente neste mesmo Observatório de Imprensa, ainda que em outro contexto: “‘todo mundo’ se acha capaz de fazer o que os jornalistas fazem. ‘Todo mundo’ entende de comunicação, sabe o que é notícia e acha que consegue fazer mais e melhor do que os que atuam profissionalmente”.

É pertinente enfatizar também que diversas organizações jornalísticas, como a FENAJ (Federação Nacional dos Jornalistas), estão atualmente em disputa pela aprovação da PEC 206/2012, que trata da obrigatoriedade de diploma para o exercício da profissão de jornalista. Em 2009, o STF (Superior Tribunal Federal) decidiu pela extinção da exigência do diploma para o exercício da profissão, algo que não foi revertido até o momento. Esse tipo de ação é relevante para o fortalecimento profissional, ao valorizar ainda mais os saberes específicos da área e os compromissos éticos assumidos pelos jornalistas, uma vez que da profissão se demanda responsabilidade social, sobretudo por causa da visibilidade e do impacto das suas produções. Os cidadãos também se beneficiam com essa cobrança, uma vez que aumenta a probabilidade de jornalistas mais capacitados para bem informá-los.

Mas essa não é a primeira vez que o europeu se coloca como uma figura superior aos jornalistas, e até aos próprios brasileiros. Como o locutor Nilson César frisou: “Abel tem esse grande problema. Ele acha que ele descobriu o futebol aqui no Brasil”. O técnico “costuma ocupar as páginas da imprensa por seu comportamento em relação a comunicadores”, pontuou o Lance!, em matéria que traz diversas manifestações de defesa da imprensa realizadas por muitos profissionais de comunicação. Como o jornalista era filiado ao Grupo Globo, uma nota foi emitida pela empresa no dia seguinte, além disso, uma denúncia pode ser realizada no STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva). Em 2022, todos os veículos do grupo colocaram uma tarja preta nas suas capas e páginas principais, em referência ao Dia Nacional da Liberdade de Imprensa, reforçando o papel do jornalismo para a plena cidadania. Desta forma, qualquer ato de censura ou de limitar a atuação de jornalistas afetaria o direito da própria população brasileira.

Como representante do país colonizador, Abel Ferreira demonstrou em outras ocasiões que o futebol brasileiro tem muito a aprender com ele e seus compatriotas continentais. Embora parte das críticas à organização do esporte no país pareçam justas, ele endossa aspectos que são pontuados exatamente por alguns jornalistas e comentaristas há anos. Ainda assim, são nos momentos de destempero que seu eurocentrismo parece aflorar, sobretudo, mas não somente, quando em contato com os profissionais da imprensa e, de forma mais abrangente, da mídia. Logo após sua agressão, o técnico transparece isso novamente na coletiva de imprensa ao dizer que “AQUI todo mundo gosta de transformar o copo d’água em uma tempestade”. Como se a violência a um jornalista no direito de exercer sua profissão e no dever de informar aos cidadãos fosse dispensável de atenção.

A síndrome do colonizador aparece sempre que ele enfatiza que “aqui” as situações são diferentes (de lá, a Europa), inclusive, acusando o jornalista que flagrou sua agressão de fazer o “futebol brasileiro estar desse jeito”. Nisso, ele pode até estar correto, pois em muitos países Abel Ferreira jamais teria a coragem de agredir um jornalista em exercício da profissão, ainda mais tomando seu equipamento de trabalhado de forma virulenta. A violência a um profissional que representa uma instituição que é um dos pilares da democracia não “é do futebol”, como ele justificou ao tentar defender-se mais do que desculpar-se, logo depois da agressão. Portanto, sim, Abel, você se excedeu!


Allysson Martins é professor de Jornalismo e coordenador do MíDI – Laboratório de Mídias Digitais e Internet na Universidade Federal de Rondônia (UNIR). É autor dos livros “Jornalismo e guerras de memórias nos 50 anos do golpe de 1964” (2020) e “Jornalismo digital entre redes de memórias na efeméride do 11/9” (2022).

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